sábado, 17 de abril de 2010

Temos pouco tempo
Não temos muito tempo. Essa é a convicção de todos que participaram do Fórum Sobre Sustentabilidade, ocorrido em Manaus e promovido pelo Lide, evento que contou com a presença de grandes personalidades mundiais, como Al Gore e James Cameron.Os focos da discussão foram a floresta amazônica e o seu papel primordial para a regulação do clima global. O crescimento dessa imensa cobertura vegetal absorve grandes quantidades de CO2. Além disso, por concentrar cerca de 15% da água doce líquida do mundo, a Amazônia, através da evotranspiração (processo que lança umidade na atmosfera pela evaporação da água do solo e pela transpiração da água das plantas), contribui para regular o regime pluviométrico e funciona como uma espécie de ar-condicionado do clima.Entretanto, o desmatamento descontrolado pode levar à “savanização” da Amazônia. Nesse caso, ela deixaria de ser esse “ar-condicionado” e passaria a funcionar como um “lançachamas”, com consequências desastrosas para o Brasil e para o mundo.Há que se considerar que as árvores da Amazônia têm cerca de 100 bilhões de toneladas de carbono. Isso representa 15 anos do total de emissões mundiais (naturais e humanas) de gases do efeito-estufa. Assim, essa floresta é um importante ponto de equilíbrio do ciclo mundial do carbono. Ademais, a Amazônia detém boa parte da biodiversidade mundial, que espera para ser transformada em produtos revolucionários pela biotecnologia. A madeira não é a riqueza da Amazônia, a grande riqueza da Amazônia é a informação genética que está contida nessa madeira e em suas espécies vegetais.O Brasil tem, portanto, o dever de cuidar bem desse patrimônio inestimável.Mas também tem o dever de cuidar bem dos 24 milhões de brasileiros que lá vivem, a maioria pessoas pobres que precisam de renda e emprego. A chave para resolver essa difícil equação está no desenvolvimento sustentável. O Brasil e o mundo precisam caminhar urgentemente para uma economia verde, “descarbonizada”.Entretanto, essa não é uma tarefa fácil, nem barata. As grandes economias mundiais têm, em geral, matriz energética suja. São viciadas em petróleo e carvão. E os países desenvolvidos devastaram todos os seus biomas. Reverter esse processo de degradação ambiental e fazer a reconversão para a economia verde demandará muito investimento e determinação política. Está claro também que o principal mecanismo internacional para lidar com a questão, o Protocolo de Quioto, que reúne apenas os países industrializados, tem se revelado insuficiente.O Brasil, ao contrário, tem matriz energética limpa, baseada em hidrelétricas e no uso da biomassa. Ademais, temos ainda cerca de 80% das nossas florestas preservadas. Nosso único calcanhar de aquiles relativo ao meio ambiente é justamente o desmatamento, fonte de 65% das nossas emissões de CO2. Temos, portanto, todas as condições de sermos líderes no processo de criação de uma economia verde. Através de mecanismos financeiros como o do REDD (programa da ONU que financia a sustentação das florestas), poderíamos fazer, no curto prazo, que a floresta valha mais em pé do que derrubada, gerando serviços ambientais fundamentais para o clima mundial. E, com uma política tecnológica adequada, poderíamos explorar, no futuro, o imenso potencial biotecnológico da Amazônia. A floresta e seus habitantes precisam é de recursos, e não de denúncias muitas vezes demagógicas de quem não convive com sua realidade.Há, contudo, um grande estrangulamento: falta dinheiro. Os países desenvolvidos comprometeram seus orçamentos com políticas anticíclicas para combater a crise. Têm déficits estratosféricos.O fracasso de Copenhague está muito relacionado a isso. Assim, propus criar um fundo mundial com base na taxação de até 1% das importações internacionais, o que não teria qualquer efeito negativo nas economias.Com potencial arrecadador de até US$ 100 bilhões/ano, tal fundo poderia custear essas atividades. Observe-se que, segundo o Greenpeace, a manutenção das florestas do planeta demandaria apenas cerca de US$ 40 bilhões/ano.Soluções existem, mas temos de correr, ou o pouco tempo disponível as sepultará no cemitério das boas intenções.(*) Aloizio Mercadante é senador (PT/SP) e líder do PT no Senado.
Um erro estratégico
A mudança do marco regulatório do petróleo é o maior erro de política industrial do governo brasileiro desde a aprovação da lei de reserva de mercado da informática, em 1984. Com a lei 9.478/97, o Brasil criou a Agência Nacional do Petróleo para gerir o monopólio da União e abriu a exploração e a produção para o setor privado. A Petrobras foi mantida sob controle estatal, mas capitalizada com lançamento de ações em Nova York e com parte dos recursos do FGTS de mais de 55 mil trabalhadores. Mesmo tendo de competir no mercado brasileiro com outras cerca de 70 empresas, a Petrobras detém hoje mais de 94% da produção de óleo e gás do país e teve o seu valor multiplicado por onze ao longo dos últimos 12 anos. Nesse período, o investimento do setor passou de US$4 bilhões anuais em 1997 para US$35 bilhões em 2009. O setor, que não passava de 2% do PIB, representa mais de 12% da economia. A produção de óleo mais que dobrou. As descobertas quintuplicaram as reservas. As receitas governamentais (bônus dos leilões, royalties e participações especiais) dos três níveis da federação saltaram de R$200 milhões em 1997 para R$25 bilhões em 2008. A descoberta do pré-sal ampliou brutalmente o horizonte e as expectativas. Mas em vez de aumentar a alíquota das participações especiais e, assim, incrementar as receitas governamentais, o governo Lula atuou como um rei Midas às avessas: paralisou o processo de licitação de novas áreas para exploração em regime de concessão e resolveu mudar todo o marco regulatório, mesmo com o preço do petróleo no pico e a demanda aquecida. O último projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados autoriza o governo a capitalizar a Petrobras usando cinco bilhões de barris de reservas de petróleo, sem que a empresa tenha que pagar nem bônus de assinatura nem participação especial. É curioso que os petistas que acusavam o regime de concessão de ser uma privatização das reservas estejam concordando com a decisão de vender reservas de petróleo a futuro para capitalizar a Petrobras. Como a insensatez em sua marcha sempre encoraja ações cada vez mais estúpidas, estamos agora nos defrontando com a chamada emenda Ibsen Pinheiro, que expropria as receitas de petróleo dos estados e dos municípios produtores e as distribui a todos os "sem petróleo" do país. Um Robin Hood de hospício não faria melhor. Tirar da noite para o dia R$7 bilhões do Rio de Janeiro e R$500 milhões do Espírito Santo, quebrar contratos, centralizar ainda mais na União e mandar para o custeio geral de estados e municípios as receitas de petróleo é um absurdo completo. Trata-se de um bode colocado numa discussão já completamente desorganizada. O presidente Lula, juiz magnânimo das confusões que ele mesmo promove, já garantiu que "não vai deixar o Rio de Janeiro na mão". Quem quiser que acredite. Neste momento, o Senado tem que recomeçar o debate do marco regulatório do setor de petróleo e gás perguntando: o que deve mudar na lei 9.478/97, tendo em vista a nova realidade que se apresenta depois das descobertas na camada pré-sal? (*) Luiz Paulo Vellozo Lucas é deputado federal (PSDB/ES) e presidente do Instituto Teotônio Vilela.
Consciências sujas
João Guimarães Rosa, gênio da raça, escrevia sobre os mistérios e os escombros da alma humana, decifrava-os. Sabia os atalhos, os anseios escondidos, as tormentas interiores de cada um. Um dia, sentenciou: “pessoas limpas, pensam limpo”.Hoje estamos diante de dois simbólicos pensamentos. De um lado, o povo brasileiro pedindo, com milhões de assinaturas, pela aprovação do projeto dos homens limpos em pensamentos, nome e currículo, comandando a nossa política. É o Projeto de Lei Ficha Limpa, que tem como objetivo central “remover das eleições candidatos que cometeram crimes sérios, como desvio de verba pública, corrupção, assassinato e tráfico de drogas”. Os sujos, como eles sempre fazem, já jogaram a votação do Projeto para maio. Por certo, para terem tempo de converter votos e garantir mais uma derrota para a democracia e para os desejos e anseios do povo brasileiro. Afinal, dois milhões de assinaturas valem nada, mas dois milhões de votos...Em uma democracia tão frágil como a nossa, em que um voto pode ser comprado com um simples pão com manteiga e que vários votos podem ser fidelizados com um prato de comida diário, a sociedade tem que se organizar e estabelecer normas para aqueles que querem gerir a sua vida, para aqueles que terão o seu aval para tomar decisões, interferindo assim na vida e destino de milhões de brasileiros.Por outro lado, temos o político que freqüenta mais os cadernos de polícia que de política em nossos jornais, Paulo Maluf, tentando retaliar e enquadrar, com um Projeto de Lei, o Ministério Público. É claro que este projeto de Paulo Maluf só tramita célere no Congresso por que conta com o silêncio cúmplice do Planalto e do PT. Pois, se fosse em outra época, a banca petista já teria colocado a esvoaçante Ideli Salvatti na rua e rufado os tambores da consciência cívica e moral, aqueles que eles desde que chegaram ao poder, não bradaram mais. O mundo político nacional se tornou isso, uma matilha de cachorros iguais, cada um querendo apenas morder o maior quinhão que não lhe cabe. Por isso eles querem enquadrar o Ministério Público, vedar os olhos da Justiça. Não para barrar os crimes de agora, mas os crimes futuros, que eles vão perpetrar para perpetuar no poder, para alugar partidos, comprar comissões e, até mesmo, subornar promotores, procuradores, ministros e juízes. Eles sabem que o crime no Brasil compensa e muito, e sempre tem uma boa recompensa... Por isso, é bom estar sempre com os cuecões fartos, impregnados pela sujeira do poder.(*) Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor.
Por que a imprensa 'gosta' de tragédias?
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A imprensa são os olhos da sociedade" Rui Barbosa Historicamente, políticos sem exceção mudam o juízo que fazem da imprensa quando assumem o poder. É uma questão elementar, de lugar de fala: ora na oposição, ora na situação. Lula não contrariou a regra. Quando sindicalista oprimido, construiu a sua biografia de "filho do Brasil" graças ao amplo espaço e ao bom tratamento que recebeu da mídia. Fustigou governantes um a um, quando era oposição. As tribunas nas quais subiu não lhe dariam tanto eco, não fosse a presença de jornalistas para transportar a sua oratória para uma outra tribuna, esta que nas sociedades com algum vestígio de democracia constitui um dos espaços públicos. No caso da chamada esfera pública burguesa, a imprensa ocupa uma centralidade, pois nenhuma outra instituição é tão provedora da polêmica em torno do bem comum quanto a imprensa. Numa República, a imprensa funciona como "um campo de campos", expressão do professor Adriano Duarte Rodrigues, da Universidade Nova de Lisboa, já que ela proporciona o leva e traz, as intermediações entre os diversos subespaços que compõem o espaço social: o espaço comum (da rua, da praça, do mercado); o espaço público (composto pelos espaços discursivos); o espaço político (do poder estabelecido, governo e Estado); e por que não, o espaço privado, já que a mídia, como um todo, faz a todo momento a intermediação entre a casa, a rua e os demais espaços – ou seja, entre a privacidade e a publicidade e vice-versa. Uma vez no poder, os homens públicos passam a merecer privilegiadamente a atenção da imprensa, mas de um outro ângulo, o ângulo da crítica, pois a imprensa também representa o papel de um poder fiscal, o quarto poder que fiscaliza todos os outros, uma fiscalização ad hoc. Sem fazer parte do Estado, a imprensa desempenha os papéis de: controladoria, inspetoria, auditoria e corregedoria. Daí a sua parcimônia para com os elogios. Fatos administrativos geram elogios quando representam uma exceção. Ou seja, a boa gestão não dá notícia, a não ser para contrastar com a má gestão generalizada. Não raro, porém, mas quase sempre quando os governantes estão irritados, surge a máxima "a imprensa gosta de tragédias". Embora lugar comum, clichê, trata-se de uma verdade. Mas há uma explicação lógica e funcional para isso. Uma das funções da imprensa é a de alerta. Este é um dos seus principais lugares de fala. Entre a anunciação e a denunciação, a imprensa fica preferencialmente com a última. Daí, a suspeição que sempre recai sobre jornalista dado a elogios. São, digamos, orientações enunciativas distintas: a de quem anuncia e a de quem denuncia. Por vezes, a indignação para com a imprensa e os jornalistas gera avaliações do tipo: a imprensa gosta mesmo é de podres, de escândalos, de sensacionalismo, de tragédias. É verdade. Mas, mais uma vez, a razão lógica, por mais que se queira reduzi-la a uma razão meramente mercadológica, ou mesmo patológica. Nada demais se os jornalistas forem comparados aos urubus que pairam sobre o que se deteriora no mundo. É que o cogito jornalístico não é o do sujeito comum, na sua relação subjetiva – e cognitiva – do tipo sujeito à objeto, isto é, sujeito à mundo. O mundo não é notícia se o mundo estiver normal. O mundo valerá notícia se ele estiver imundo. Ora, se uma das funções do jornalista é a de ser atalaia – aquele que fica no alto, olhando o horizonte para dar o alarma – não se espera que ele fique a toda hora gritando: "Tudo normal, tudo normal!". O cogito do ser cognoscente comum diante do que lhe expõe o mundo (objeto) é: "penso, logo existo". O cogito jornalístico por excelência é: o mundo está diferente, logo, penso e alardeio. Uma boa comparação, no entanto, é com os gansos. Ao contrário dos urubus, os gansos não estão à procura de podridão, mas são alardeadores. Pois bem, na história de Roma há um episódio em que o alerta foi dado pelos gansos, os primeiros a notar que os bárbaros estavam chegando. E esta deveria ser a competência primaz dos jornalistas. Avisar que o perigo se aproxima. E não esperar que já esteja tudo destruído para fazer a denúncia. Voltemos ao atalaia e seu lugar privilegiado, no alto da torre, perscrutando o horizonte, de onde possa ver tudo que é ameaça, inclusive, as tragédias. Meteorologistas e jornalistas têm algo em comum, ler o mundo e interpretá-lo: de preferência, antes que o terremoto aconteça e os tsunamis devastem tudo. Pois dizer para quem já está arrasado que houve uma tragédia é zombar da inteligência das vítimas. ](*) Luiz Martins da Silva é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Comunicação pela própria UnB e doutor em Sociologia pela Universidade Nova de Lisboa/UnB, Martins coordena o projeto SOS Imprensa da Fac/UnB. Como jornalista, atuou no Jornal de Brasília, no jornal O Globo e na revista Veja, entre outros. Organizou/publicou três livros e tem 19 capítulos publicados em livros.

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