sábado, 17 de abril de 2010

Uma Lei do MALuf

Na mesma Folha de S.Paulo, de 13.4.2010, em que Maluf ventilou texto perquirindo se os Promotores têm medo da Justiça (Tendências/Debates), o jornalista Janio de Freitas acrescentou outro desdouro à notória lista de maldades do polêmico congressista: publicou, no bojo do artigo intitulado “Liberdade de ação”, p. A6, que Paulo Maluf procurou o general Newton Cardoso, ex-chefe do temido Serviço Nacional de Informações – SNI, pedindo-lhe o assassinato de Tancredo Neves, segundo o próprio militar teria declinado ao repórter Geneton Moraes Neto.Atribui-se a Maluf toda sorte (ou seria todo mal?) de alicantinas, especialmente contra o patrimônio público. Todavia, as efemérides trazidas à baila, explicitando o pleito da eliminação física de Tancredo, são estarrecedoras e incluem, no rol de malfeitorias imputadas ao aludido parlamentar, uma mácula que ainda se desconhecia, pelo menos publicamente, e que, acaso verdadeira, terá o condão de enrubescer os grandes vilões da história política brasileira. Aventuras ilícitas de rei ou plebeu, de magnata ou miserável, de crente, agnóstico ou ateu, de brancos, índios, negros ou de judeus, enfim, de quem quer que seja, são cada vez mais reprochadas, uma vez que as instituições do país estão consolidadas, a democracia vigora, a imprensa é livre para informar a sociedade, o eleitor está consciente e analisa melhor o seu voto e os braços da lei principiam a manietar pessoas que alentam, a desoras, a veleidade de estar acima da ordem jurídica e dos valores mais fastigiosos da República. Dentro dessa tessitura, Mário Covas apregoava que Maluf inventara o verbo “malufar”, que significaria “roubar” e o chamou, em 1998, durante debate do 2.o turno para o governo de SP, de “ladruf”; e o epíteto colou, visto que o congressional e seu filho Flávio permaneceram, em 2005, presos, preventivamente, por mais de 40 dias, quando foram soltos, em habeas corpus, por decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, consoante divulgado na imprensa (Folha, Tendências/Debates – “A vingança de Maluf” - 6/4), increpa-se-lhe a movimentação ilegal, de aproximadamente 250 milhões de dólares desviados do erário paulista, em diversos países europeus e nos EUA, sendo figura célebre na listagem de perseguidos pela Interpol, à conta de ordem do Judiciário de Nova York. Agora ele quer processar o Promotor americano, julgando-se perseguido.Por ser suspeito de diversas peripécias, Maluf frequenta assiduamente tribunais e, quase sempre, senta-se no banco dos réus. Insatisfeito com a independência e com a imparcialidade da Justiça, com o mourejar concreto e destemido do Ministério Público, o deputado ambiciona retaliar, intimidar e emudecer estas importantes instituições ao propor, no deleite de interesses próprios, o projeto de lei n. 265/2007 que - já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e adrede imbuído de termos imprecisos e subjetivos, colocando em xeque a segurança jurídica - restringe a atuação dos cidadãos que questionem, mediante ação popular, por exemplo, atos lesivos à moralidade administrativa e ao meio ambiente perpetrados por políticos; visa igualmente soçobrar e coibir a atuação do Parquet nas atitudes em defesa da probidade estatal, impondo-se aos seus membros o ônus de arcar com o pagamento das custas do processo e de honorários advocatícios e periciais, como também danos materiais, morais e à imagem que hajam provocado, se a demanda ajuizada qualificar-se como temerária, promocional, fruto de má-fé ou de perseguição política, concebendo-se, ademais, crime que alcança 10 meses de detenção para quem manejar tais medidas.O prefalado PL 265/2007 convola-se em inegável cavalo de Troia, em inescondível presente de grego, pois, a despeito de, aparente e formalmente, tencionar coibir abusos, a bem da verdade pretende, sub-repticiamente, espavorir, arrostar e calar os cidadãos, os Promotores e os Juízes que, Brasil afora, estão fiscalizando e levando a termo fatos da mais alta relevância social. Obstando as ações judiciais, o Poder Judiciário ficará coarctado, subjugado e alijado da apreciação das lesões que condutas ímprobas ocasionam e, consequentemente, não existirá punição aos que delinquirem.Note-se que o projeto da Lei do MALuf dá mostras de padecer do escopo de vindita e traz, no seu cerne, como corolário, a debilidade da defesa da sociedade e do patrimônio público, que ficará à mercê e ao talante de seus algozes e verdugos, que continuam a almejar a impunidade, porquanto os integrantes do Judiciário e do Parquet, quando incorrem em abusos, já são investigados, processados e punidos, quer no âmbito interno, pelas respectivas corregedorias, quer no externo, via Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público.Porventura aprovado e sancionado o projeto da forma como redigido, haverá franco e inaceitável retrocesso no combate à corrupção, em decorrência do enfraquecimento das instituições de controle e do olvido ao princípio de freios e contrapesos, elementar nos Estados Democráticos que repelem, a sua vez, entidades como o SNI do auge da ditadura, à qual servilmente foi fiel acólito o hoje deputado Paulo Maluf.Felizmente, a democracia venceu a ditadura e Tancredo derrotou Maluf; por ironia do destino, o líder vitorioso da redemocratização do país era Promotor em Minas Gerais e não temia a Justiça, até porque, quem deve temê-la não é quem a pratica e a efetiva, mas quem a ignora, quem a maltrata e a amarfanha, vilipendia e a desdenha, quem se vale de chicanas processuais para retardar as decisões e quem encomenda o silêncio de Promotores da Democracia!(*) João Linhares Júnior é Promotor de Justiça em Dourados-MS.

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